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Amazônia Secular
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Tour Virtual / Textos, mapas e dados sobre o tema
Textos, mapas e dados sobre o tema
INTRODUÇÃO
“O melhor lugar do mundo é aqui, e agora”. A canção de Gilberto Gil ajuda a definir um pouco a vida das populações ribeirinhas e extrativistas na Amazônia: o presente é o melhor momento para se viver, produzir e comercializar alimentos para o sustento. O pescador, a agricultora, os seringueiros e as quebradeiras de coco babaçu entendem muito bem sobre o tempo amazônico, diferente do tempo cronológico ao qual estamos acostumados. São as cheias e as secas que determinam os planos familiares e a interação entre as comunidades.
Pensar a longo prazo é difícil quando se sabe (ou não) o momento em que as águas vão encobrir campos e pastagens. Entender o ciclo da natureza na Amazônia é essencial para a sobrevivência.
COMUNIDADES TRADICIONAIS
As duas estações
Os moradores da Amazônia estão habituados a um ciclo diferente das estações. Outono, inverno, primavera e verão não são como nas demais regiões do Brasil. O ano é dividido em dois grandes momentos meteorológicos – o período da cheia e o da seca. No uso popular, os termos inverno e verão referem-se, respectivamente, aos períodos de maior e menor chuva.
Isso não significa que o movimento da enchente e da vazante do rio vá coincidir com as estações do ano, já que o rio começa a baixar no final do período de chuvas e as estações seca e chuvosa chegam antes nas porções mais altas do rio.
Estas mudanças são consideradas primordiais na Amazônia, já que as pessoas precisam estar atentas à migração de peixes, ao movimento dos animais, à dureza do solo, ao crescimento e à morte de plantas, às chuvas. Adaptabilidades que têm sido afetadas com as mudanças climáticas interferindo nos ciclos naturais e tornando a vida do ribeirinho mais difícil.
A várzea
A população que vive na área de várzea dos rios precisa lidar com variações sazonais. Os rios cheios exigem que comunidades inteiras estabeleçam moradias que fiquem acima das águas. Ganham protagonismo diante dessa realidade as palafitas, edificações sustentadas por toras de madeira que se adaptam internamente à elevação do rio por meio das marombas, e os assoalhos das casas de madeira, ajustados de acordo com a elevação da água. Não se sabe com antecedência a altura exata da cheia, sua extensão e a velocidade com que o rio subirá ou descerá, levando os moradores a sempre lidar com o imprevisto.
As comunidades também enfrentam o fenômeno de terras caídas, erosões causadas nas beiras dos rios durante os períodos de seca e que têm se agravado com o desmatamento. Esses riscos não impedem as comunidades de se adaptarem à nova realidade, porém afetam os aspectos sociais, econômicos e ambientais da região.
Vivendo sob um ritmo temporal particular, os moradores da várzea amazônica enfrentam desafios devido à imprevisibilidade, mas sabem tirar proveito da adversidade, criando oportunidades de renda. A cada cheia, os vestígios em terra de atividades do ano anterior desaparecem, mas a vazante torna o solo mais rico em nutrientes para o plantio. Durante o período da enchente, a pesca é o que impera.
Os ribeirinhos dependem tanto da terra de trabalho para a agricultura de subsistência, a pecuária e o extrativismo vegetal quanto do acesso às águas de trabalho para pesca voltada à subsistência ou comercialização.
Comunidades de terra seca
Em regiões de terra firme, extrativistas – como os seringueiros, evidenciados pela luta de Chico Mendes na década de 1980 – são um dos maiores grupos que sobrevivem a partir de recursos naturais – neste caso, o látex (ou borracha natural) extraído dos seringais.
Dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) mostram que, até 2019, a região amazônica abrigava 104 Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável, federais e estaduais, distribuídas por nove estados, cobrindo cerca de 5,1% do território do bioma (258.928 km2). Segundo o Conselho Nacional das Populações Extrativistas, aproximadamente 1,5 milhão de pessoas são beneficiadas por essas reservas e pelo trabalho proveniente do extrativismo existente nelas.
Existem também os piaçabeiros, que vivem da extração da fibra da palmeira da piaçava (utilizada na fabricação de vassouras), e os peconheiros, nome dado aos coletores de açaí, que sobem – por vezes sem proteção – no topo das palmeiras para colher o fruto do açaizeiro.
Nos estados do Pará, Tocantins e Maranhão estão a maior parte das 400 mil quebradeiras de coco babaçu, de acordo com o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu. Há gerações, essas trabalhadoras passam o dia coletando os frutos e quebrando-os para extrair suas amêndoas, das quais se produz um dos óleos mais versáteis da natureza.
Apesar de conviverem bem com a floresta – e de lá extraírem o seu sustento -, as comunidades tradicionais enfrentam diversos conflitos em seus territórios, como a construção de obras de infraestrutura, como termoelétricas, hidrelétricas ou estradas, além do avanço do agronegócio e de grileiros. Segundo o Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, desenvolvido pela Fiocruz, há nos nove estados da Amazônia Legal, ao menos 96 conflitos em andamento registrados, desde 2006 nessas comunidades.
Há ainda outras populações tradicionais, como os quilombolas, população descendente de pessoas escravizadas que vivem em áreas intocadas da floresta e ajudam na preservação do ecossistema. De acordo com a Fundação Pró-Índio, existem no bioma amazônico 743 terras quilombolas tituladas, parcialmente tituladas ou em processo de regularização no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra.
ECONOMIA DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS
Economia baseada em bioma
Os sistemas produtivos da economia camponesa fundamentam uma economia rural de grande envergadura na Amazônia. No Censo Agro de 2017, realizado pelo IBGE, foram registradas quase 200 mil unidades produtivas nesse padrão de convergência, ocupando uma área de 8 milhões de hectares, que empregavam 430 mil trabalhadores em toda a Região Norte do Brasil. O valor da produção rural em 2017 foi de R$ 4,8 bilhões – era R$ 3,3 bilhões em 2006: um crescimento anual de 3,6%, aproximadamente.
O ambiente institucional do governo parece desconhecer essa economia – trata-se da economia rural na região com menor participação nas políticas de crédito e de assistência técnica: apenas 6% dos seus estabelecimentos declararam no censo agropecuário de 2017 ter acesso a crédito. Mesmo sendo as principais opções para o produtor campesino, a pesca comercial e a pecuária são, ao mesmo tempo, duas das principais ameaças à sustentabilidade social e ambiental das comunidades.
Potencial inexplorado
São considerados produtos compatíveis com a floresta os artigos in natura ou levemente processados, vindos da extração florestal não madeireira, sistemas agroflorestais, pesca, piscicultura tropical e hortifruticultura tropical. Esses produtos movimentam bilhões de dólares no mundo, mas seus principais exportadores são, na maioria dos casos, economias menores que a brasileira. Caso do Vietnã, principal exportador de pimenta-do-reino.
Uma característica comum da economia baseada em bioma é a baixa emissão líquida de CO2. Estima-se que, mesmo crescendo, essa economia reduziu a emissão líquida de CO2, que já era a mais baixa de toda a economia rural da Amazônia em 2006: saiu de 0,5 gt para 0,3 gt de CO2 entre 2006 e 2017. A densidade de carbono (o volume de CO2 lançado na atmosfera por cada R$ 1,00 faturado), que também já era muito baixa, saiu de 0,17 toneladas de CO2 em 2006 para 0,08 toneladas de CO2 em 2017.
Exportação atual de recursos
De acordo com estudo realizado pelo projeto Amazônia 2030, ligado a instituições ambientais e à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), os principais produtos de exportação da Amazônia durante o período 2017-19 foram oriundos da agricultura mecanizada (soja, milho, algodão), extração mineral (ferro, alumínio, cobre, ouro), pecuária, papel e celulose. Mas os pesquisadores afirmam que a atenção dada a esses produtos esconde uma lista mais extensa de gêneros que já são comercializados ao exterior e não impactam a floresta da mesma forma.
Entre janeiro de 2017 e dezembro de 2019, empresas localizadas na Amazônia exportaram 955 produtos diferentes, sendo 64 resultantes do extrativismo florestal não madeireiro, sistemas agroflorestais, pesca, piscicultura e hortifruticultura tropical. Esses artigos já exportados pelos estados da Amazônia Legal brasileira movimentam um mercado global bilionário, dominado por países como Costa do Marfim (no caso do cacau) e Bolívia (no caso da castanha-do-pará sem casca). Para gerar renda e dinamizar a economia da região, a Amazônia pode ampliar sua participação nesse mercado global.
Produtos como o óleo de dendê são bem conhecidos graças à sua versatilidade e ao uso disseminado nas indústrias de alimentos, cosméticos, ração e biodiesel. Mas outros, como as cabeças, caudas e bexigas de peixe são mais incomuns ou exóticos.
Na maior parte do Brasil e do mundo, as vísceras do peixe são descartadas ou usadas para produzir fertilizante ou ração animal. No triênio 2017-2019, empresas sediadas na Amazônia Legal exportaram uma média de 620 toneladas de grude (bexiga natatória de peixes) e faturaram cerca de US$ 19 milhões por ano. Esses produtos podem parecer prosaicos, mas eles movimentam muito dinheiro.
O enorme tamanho desses mercados revela o baixo desempenho das exportações na região amazônica. O produto agroflorestal com maior volume de exportações na Amazônia é a pimenta, mas a região responde por apenas 7% desse mercado global. No caso dos “outros peixes congelados”, a participação foi menor (0,8%). Já no caso das frutas tropicais, como cacau, abacaxis, goiabas, mangas e mangostões, o desempenho da Amazônia foi ainda menor, entre 0,005% e 0,015% no mercado global.
Como é possível aumentar a produção tradicional de maneira sustentável?
O conhecimento que permite a exploração eficiente e sustentável dos recursos do bioma pelas populações tradicionais se constitui, em grande medida, de repertórios culturais herdados de indígenas ou famílias que colonizaram a região Norte em séculos passados. Porém, uma estratégia de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) seria necessária visando novas competências para um futuro que proteja as capacidades do bioma amazônico e ofereça vida digna aos que interagem com a floresta, seus processos produtivos e reprodutivos.
Para isso, será preciso:
- Desenvolver conhecimentos de base e aplicados que foquem os sistemas produtivos e suas ecologias de reprodução em longa duração;
- Adaptar aos diferentes territórios o conhecimento ajustado às necessidades dessa economia com sustentabilidade;
- Pensar em soluções tecnológicas que facilitem a logística e evitem perdas na produção;
- Desenvolver tecnologicamente equipamentos e meios de produção para atender às necessidades da produção baseada em bioma;
- Qualificar mão de obra;
- Desenvolver soluções de produção e logística com vistas às necessidades das cadeias curtas voltadas aos mercados locais, muito importantes para a economia baseada em bioma;
- Desenvolver soluções de produção e logística com vistas às necessidades das cadeias voltadas ao mercado nacional, muito importante para produtos como açaí e cacau;
- Adequar-se às exigências do mercado internacional, que estabelece normas fitossanitárias;
- Adotar boas práticas socioambientais, sistemas de verificação independentes e certificações.
Como posso contribuir?
Como consumidor, você também pode realizar ações no dia a dia para valorizar os produtos da bioeconomia e o trabalho das populações tradicionais da Amazônia:
- Conheça a culinária amazônica e o modo de consumo local dos alimentos. Por exemplo, o modo como o açaí é consumido na Amazônia, como um alimento salgado que acompanha as refeições principais do dia;
- Priorize o consumo de produtos certificados e que fazem parte de uma cadeia produtiva sustentável, principalmente a cadeia de carnes, peixes e frutos;
- Monitore as marcas que consome, pesquisando, por exemplo, por reportagens com credibilidade sobre o modo de produção das empresas;
- Valorize pequenos produtores da região;
- Leia autores da literatura clássica da Amazônia, que mostrem a vida ribeirinha e a economia da sociobiodiversidade. Por exemplo, Dalcídio Jurandir, Inglês de Sousa, Benedicto Monteiro, entre outros;
- Vote em representantes políticos que tenham ações ligadas à conservação da floresta em seu plano de gestão.