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Tour Virtual / Corda do Círio de Nazaré
Corda do Círio de Nazaré
O Círio de Nazaré, que acontece em Belém, no Pará, durante o mês de outubro, é uma das maiores festas religiosas do mundo (veja mais no interativo de conteúdo da sala). Considerada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, a celebração homenageia a Nossa Senhora Virgem de Nazaré e atrai cerca de 2 milhões de fiéis católicos todos os anos.
Um dos maiores ícones da festa, a corda passou a fazer parte do Círio em 1885, quando uma enchente alagou a orla de Belém no momento da procissão, fazendo com que a berlinda ficasse atolada e os cavalos não conseguissem puxá-la. Com isso, os animais foram desatrelados e um comerciante local emprestou uma corda para que os fiéis puxassem o pequeno santuário.
No áudio, você ouve o depoimento de Lilian Brandão, estudante de enfermagem.
depoimento
Lilian Brandão, estudante de enfermagem
Eu me chamo Lilian da Silva Pinheiro da Cruz. Eu tenho 37 anos, faço 38 em dezembro. Tenho duas filhas: a Naiandra e a Eloá. Uma tem 17 e a outra 13. Sou acadêmica de enfermagem. Sou fiscal de loja no shopping. Moro em Belém do Pará, mas precisamente na Sacramenta, e sou devota de Nossa Senhora de Nazaré. E Paysandu também.
O Círio de Nazaré acontece no segundo domingo de outubro. Ele é uma procissão longa que sai da Igreja da Sé até a Basílica de Nazaré. A Berlinda é aquele carrinho dourado que é todo enfeitado com flores onde vai a santa e a corda é o que puxa a Berlinda. Muita gente, homem e mulher juntos, puxando a corda, carregando a estrutura de ferro para fazer com que o Círio aconteça. E Belém não dorme. Fica todo mundo na rua, porque no sábado tem a trasladação que também tem corda, porém a proteção maior é a do Círio de Nazaré. Eles colocam as caixas de som e é transmitida a missa nessas caixas o percurso todo do Círio de Nazaré. Então a gente consegue pegar o lugar na corda, como a gente fala aqui, e ouvi a missa.
Eu cresci vendo a minha mãe pagar promessa, ela pedir e Nossa Senhora de Nazaré, como intercessora, fazer acontecer. Lembro como se fosse hoje: eu tinha 13 anos e aí eu vi minha mãe e meu pai conversando sobre o problema cardíaco da minha mãe. E aí, eu com medo da minha mãe morrer, com medo de ficar sozinha só com meu pai e meu irmão, eu fiz uma promessa para Nossa Senhora de Nazaré que se minha mãe sobrevivesse ao cateterismo eu iria na corda até o final da vida da minha mãe. E assim era todo ano.
A gente acordava cedo e nós comprávamos a camisa, tomávamos o café e eu ia para a corda e ela ia do meu lado me dando água, que é uma coisa que a gente precisa muito, é de água. E assim foi: 13, 14, 15, 16… E aí quando chegou… Quando eu tinha 21 anos a minha mãe morreu. De 13 anos até a idade que eu tenho, eu só não fui quando eu tive as minhas duas filhas. Aí não fui 19 (anos), porque eu estava machucada e agora esses dois últimos anos por conta da pandemia, infelizmente, não teve corda. E eu pretendo ir enquanto eu tiver força e saúde.
As pessoas perguntam porquê que eu continuei mesmo depois da mamãe ter ido, ter morrido, se essa era promessa. É como se eu pagasse todos os meus pecados ali. É como se eu agradecesse por tudo que eu tinha vivido, sobrevivido e tudo que eu tinha conquistado. Ali na corda, naquelas 6 horas de muito aperto, de muito calor, de muito sofrimento… o pé fica horrível, fica ferido. A gente fica com dor no peito, porque todo mundo [fica] muito apertado. Dá alergia porque é o suor das pessoas em ti. Fica gripado porque é sol e é muita água, água gelada. E nunca chove, né? Belém é uma cidade que chove muito, mas no Círio de Nazaré nunca chove. A gente vai descalço. A gente vai com a roupa mais confortável, consequentemente a roupa mais velha. Só a camisa que é nova porque é a do Círio. Vai de cabelos amarrados, sem brincos. Vai sem nada. Além da tua fé além do seu sofrimento, além da tua gratidão, tu ainda pensa no outro. Porque se tu for de jeans, tu machuca; se tu for de sapato, tu machuca; se tu for de brinco, de relógio, de pulseira, tu machuca. Ou seja, tu não pode ir de nada. A vaidade fica em casa e tu vai de corpo e alma entregue para pagar a promessa. Descalça, sem estar arrumada, mas de coração todo entregue à santa.
E quando acaba a procissão, quando a gente consegue deixar a corda na frente da Basílica de Nazaré, eu tô acabada. Eu tô toda dolorida, com pé ferido, a mão “engilhada”, porque é muita água. Eu tô toda molhada. Suada. cansada. Com fome. Mas com a sensação de dever cumprido. É como se eu tirasse todos os pesos que eu carrego nas costas e botasse ali naquela corda. Eu agradeço, ajoelho no chão segurando a corda. Agradeço a Deus por ter me dado força. Agradeço a Nossa Senhora por ter permitido que tudo acontecesse, que aquele ano desse certo. E depois disso, a gente segue para casa.
Eu continuo andando. Eu vou andando da Avenida Nazaré, que é onde fica a Basílica, até a Sacramenta eu vou andando. E aí quando eu chego na minha casa, todo mundo me esperando. Me esperando não por mim, mas por que todo mundo quer um pedaço da corda, quer levar. Eu tenho muitos parentes que moram no interior e eles sempre esperam para pegar o pedacinho deles da corda para levar, para abençoar a casa. É como se fosse um amuleto também. E é isso! A gente almoça junto, aí faz festa. É o natal dos paraenses, né? E é isso! Muito cansada, porém muito grata. A sensação de dever cumprido. Muito feliz! É um misto de sentimentos. Assim, é impossível descrever de fato o que eu sinto. Todo sacrifício… foram 21 anos na corda. 21 anos de corda. Sim, eu faria tudo de novo.